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quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A Estrela Oculta do Sertão


A Estrela Oculta do Sertão

(*) José Romero Araújo Cardoso


          Importante e valioso documentário, por título “A Estrela Oculta do Sertão”, foi produzido na região nordeste, cujo destaque encontra-se no enfoque às tradições judaicas presentes nas práticas culturais do povo nordestino.

          Protagonizado por médico paraibano de nome Luciano Oliveira, que por acaso perguntou a uma parenta sobre seus antepassados, obtendo como resposta, às indagações, provas suficientes, do vínculo com a antiga sefarade, que mudaram sua vida, “A Estrela Oculta do Sertão” afirma a veracidade de muitas histórias familiares espalhadas pelas quebradas do sertão nordestino.
          Luciano Oliveira e sua equipe palmilharam diversos estados da região, intuindo comprovar a tese de que a genealogia de muitas famílias nordestinas está indissociavelmente atrelada ao sangue judeu.
          Buscando subsídios em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte, o protagonista desvenda antiqüíssimas práticas culturais presentes no cotidiano do povo nordestino, como o costume de não varrer a casa passando lixo pela porta da frente, pois em um passado distante esta, na porta dos antepassados, continha um dos mais sagrados símbolos do judaísmo – A Mezuzá – pequena tabuleta de madeira impecavelmente trabalhada, contendo na parte de fora a letra SHADAI, primeira do Nome do Eterno Todo Poderoso, em hebraico, sendo que dentro contém os salmos, também na língua principal falada pelos judeus. Com a aculturação e a cristianização, quando da ênfase à efetivação dos cristãos-novos, a Mezuzá foi substituída pela cruz, indispensável em portas espalhadas por toda região.
          Costumes presentes no dia-a-dia dos nordestinos, como o hábito de colocar pedras em cruzeiros no meio das estradas, também são esmiuçados no documentário, pois esta é uma das mais importantes manifestações de condolência judaica.
          Nathan Wachtel, eminente professor do Collège de France, publicou importante livro, ainda em francês, sobre as tradições nordestinas, provando que as mesmas são eminentemente judaicas. O livro do professor Wachtell  intitula-se La Foi Du Souvenir – Labyrinthes Marranes (A fé da lembrança - Labirintos Marranos).
          Municípios localizados nos ermos distantes do sertão, como o pequeno Venha-Ver (corrutela de “Vir Chaver”, em hebraico, ou seja, “Venha Amigo”, a inquisição não lhe pega por aqui), localizado no alto oeste potiguar, foram visitados por Luciano Oliveira e equipe, cujo destaque encontra-se justamente na comprovação de que os moradores do lugarejo norte-riograndense descendem dos fugitivos da perseguição inquisitorial que se instalou em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte após a expulsão dos holandeses.
           No estado da Paraíba, há ênfase à visita de Luciano Oliveira e equipe à cidade de Pedra Lavrada. O protagonista é da família Cordeiro desse município, cujas ramificações se espraiam pelo estado do Rio Grande do Norte, chegando ainda a influenciar na denominação toponímica de localidade chamada São José dos Cordeiros.
           Sobrenomes comuns às famílias nordestinas são de origem judia, pois quando da grande conversão forçada, no final do século XV, houve pacto entre os judeus para adotarem nomes de plantas, árvores, animais, lugar de origem,etc., objetivando se reconhecerem no futuro.
          Oliveira, Cardoso, Fernandes Pimenta, Gurgel, Carneiro, Alencar, Mangueira, Nogueira, Carvalho, Pereira, etc., são exemplos de sobrenomes com vínculos judaicos, presentes, na região nordeste e outras regiões, bem como países, em listas telefônicas, nomes de ruas, chamadas de salas de aulas e muitos outros.
           O documentário “A Estrela Oculta do Sertão” peca em não falar sobre a fase áurea desfrutada pelos judeus quando da dominação holandesa (1630-1654), pois a resposta para a presença dos descendentes desse povo na região nordeste encontra-se justamente na tolerância que os mandatários da Companhia das Índias Ocidentais manifestaram quando da conquista do nordeste brasileiro, pois necessitavam de capital para levar avante a experiência concentrada na  exponencial relação com o açúcar nordestino,na época impossibilitado de ser comercializado na Europa pelos holandeses devido rixa com os espanhóis.
          A expulsão holandesa do nordeste brasileiro fez com que verdadeira “caça às bruxas” fosse instalada, com a  requisição lusitana da presença da Santa Inquisição.  A importância da presença judia no nordeste era tão proeminente que a primeira Sinagoga das Américas foi construída no Recife.
          Com a celeuma causada devido à saída batava, o rabino da sinagoga pernambucana, de nome Isaac Aboab da Fonseca, conseguiu comprar, através de quotas com os membros da comunidade, um navio no qual rumaram para o norte, tendo chegado à costa nordeste dos atuais EUA, onde ajudam a fundar um núcleo populacional que levaria o nome de Nova Amsterdão,hoje cidade de Nova York. O rabino da sinagoga Novayorkina chama-se Abraão Cardoso, descendente dos judeus pernambucanos que migraram, fugindo das perseguições inquisitoriais.
         Grandes personalidades que fazem parte do seleto rol dos estudos judaicos no Brasil e no mundo foram entrevistadas quando da produção de “A Estrela Oculta do Sertão”, a exemplo de Nathan Wachtell, Anita Novinsky, Paulo Valadares, João Medeiros Filho e família, Marcos Filgueira, Odmar Pinheiro Braga, etc.
          A Estrela a qual se refere o título do documentário, obviamente, é o hexagrama dos judeus, a Estrela de David, com seis pontas, símbolo contido na bandeira do Estado de Israel, o mesmo que se encontra disfarçada em uma rosa no frontispício do velho casarão construído no amo de 1870, em Pombal (PB), na atual rua Coronel João Leite, propriedade, em um passado não muito distante, dos criptojudeus pombalenses Aarão Ignácio Cardoso D´Arão e sua sobrinha e esposa Facunda Cardoso de Alencar.
          O documentário chama a atenção para uma questão delicada que é a situação dos "anussins", os "marranos", convertidos que buscam o regresso, ou seja, os descendentes desses fugitivos que escaparam da região litorânea e buscaram abrigo nos mais longínquos recônditos espalhados nas quebradas do sertão nordestino.
          Para quem se interessa pelas questões pertinentes ao nordeste brasileiro, “A Estrela Oculta do Sertão” surgiu como um dos mais importantes documentários sobre a região nordeste, devido elucidar e responder antigas indagações sobre as origens e as práticas culturais da população que aqui habita.

(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo (UFPB). Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contato: romero.cardoso@gmail.com

A civilização do couro

(*) José Romero Araújo Cardoso

Enquanto no litoral nordestino  subúmido firmou-se a agroindústria canavieira voltada para o mercado externo, a hinterlândia formou-se a partir da expansão da pecuária pelos sertões distantes tendo como pólos irradiadores Bahia e Pernambuco.
A civilização do couro, conforme definição do historiador Capistrano de Abreu,  objetivava abastecer com os produtos da pecuária o mercado interno, pois as áreas valorizadas pelo capital mercantil não tiveram condições concretas de cumprir qualquer ênfase à própria sobrevivência, seja de oprimidos ou de opressores.
As classes abastadas que povoaram os sertões nordestinos tinham na quantidade de gado bovino sinônimo de status socioeconômico, enquanto aos menos privilegiados restou o consolo de criar pequenos animais domesticados, como cabras e bodes, motivo pelo qual se formaram as denominadas raças nativas, como Moxotó, Morada Nova e Canindé, resistentes às secas e adaptadas extraordinariamente ao meio ambiente inóspito, cujo suporte forrageiro, em geral, encontra-se nas plantas das caatingas.
No sertão nordestino o couro passou a fazer parte do dia-a-dia, pois quase tudo era feito dessa matéria-prima de origem animal. As cadeiras, os alforjes, as mesas, os gibões, os chapéus, enfim, a cultura sertaneja passou a utilizar o couro em quase tudo que era confeccionado, usado cotidianamente pelos sertanejos em afazeres, alimentação, conforto, etc .
Quando das grandes secas era comum usar o couro como recurso alimentício a fim de tentar sobreviver aos rigores das intempéries. A estiagem histórica de 1877-1879 marcou significativamente o uso do couro para a alimentação do sertanejo, o qual antes era  utilizado para deitar-se, sentar-se ou enfrentar os espinhos da vegetação caatingueira.
O manuseio com o gado, do qual o couro é retirado, fez surgir verdadeiros artesãos nas quebradas dos sertões distantes. Artistas populares anônimos proliferaram, assim como as feiras de gado, executando trabalhos hábeis que ainda hoje marcam de forma extraordinária a cultura sertaneja.
Mãos calejadas passaram a fabricar selas, chapéus, relhos, sandálias, etc., os quais se tornaram indispensáveis para enfrentar a vida dura no sertão, simbolizando em muitos casos a própria tradição da região.
Vaqueiros e cangaceiros adotaram indumentária própria, confeccionada com o couro. Incontestáveis obras de arte foram feitas a partir do tecido animal, exemplificado através dos chapéus-de-couro dos mais proeminentes chefes de cangaço que palmilharam o sertão nordestino.
O campeador de gado do sertão nordestino, por sua vez, difere de seus congêneres espalhados pelo país, pois a roupa com a qual enfrenta as dificuldades da labuta diária, condicionada pelos desafios impostos pela vegetação extremamente agressiva, dotada de espinhos afiados e cortantes, exige dureza e rusticidades, as quais são conseguidas com as vantagens que o couro oferece.

    A Canção e a Lenda da Cabocla Maringá

José Romero Araújo Cardoso
Gilberto de Sousa Lucena

A obra musical deixada pelo compositor e médico mineiro Joubert Gontijo de Carvalho (1900-1977), repleta de valsas, marchas e sambas, revela imensa influência da cultura popular. Já no início da década de trinta, esse sensível artista emplacou seu primeiro grande sucesso: a famosa marchinha carnavalesca Taí (Pra Você Gostar de Mim), gravada por uma então pouco conhecida menina de vinte anos chamada Carmen Miranda. Foi o início exitoso da nossa brazilian bombshell.
 
Era uma fase da nossa música em que os compositores urbanos investiam nos chamados gêneros regionais populares e outra composição do talentoso mineiro fez muito sucesso ainda em 1931: Zíngara. Pelo seu pioneirismo – em estilo também regionalista – abordando um tema bastante explorado posteriormente no nosso cancioneiro popular, a seca do Nordeste, Maringá (1932) acabou se tornando a mais expressiva das composições de Joubert de Carvalho. Foi seu maior sucesso e acabou dando nome a uma hoje grande cidade do estado do Paraná. Recebeu dezenas de gravações (inclusive no exterior), tendo seu êxito em grande parte se devido à gravação primitiva do tenor paulista Gastão Formenti (1894 – 1974) e às excelentes interpretações do cantor de voz canora Carlos Galhardo (1913 – 1985), que a gravou por duas vezes em 1939 e 1957.
 
O folclore sertanejo é riquíssimo e precisam ser resgatadas com grande interesse as lendas esquecidas com a névoa do tempo e pelos efeitos da aculturação, a exemplo da história (ou estória?) transmitida de boca em boca de Maria, uma cabocla sensual que migrou da região do Ingá (no Agreste paraibano), para a cidade de Pombal (Sertão da Paraíba) em uma grande seca ocorrida no século XIX. Reza a tradição que na famigerada estiagem de 1877, Maria deixou Pombal e procurou novas paragens, deixando naquele longínquo rincão sertanejo um caboclo apaixonado e com lágrimas nos olhos.
 
Considerando a riqueza da cultura popular no sertão, da qual era admirador e grande conhecedor, o dr. Ruy Carneiro (1901 – 1977) – no tempo em que exercia a chefia de gabinete do Ministério da Viação – encontrou no Rio de Janeiro Joubert de Carvalho. O político sertanejo falou-lhe sobre a lenda de Maringá (designação popular de Maria do Ingá, naquele momento ainda não conhecida por Joubert) e pediu-lhe para musicar a emocionante trajetória da linda cabocla que abalou a ribeira do Piranhas. A canção Maringá tem uma curiosa história. Era muito amigo de Joubert de Carvalho o senhor Jaime Távora, então secretário do paraibano José Américo de Almeida (1887 – 1980), na época ministro da Viação do presidente Getúlio Vargas e grande apreciador da música do compositor mineiro (a quem ansiava conhecer pessoalmente). Távora comentou com Joubert sobre a vontade do Ministro, no que – em tom de pilhéria – ouviu: “Ora, se ele tem tanta vontade de me conhecer que vá lá em casa”.
 
Tal informação foi passada por Távora a José Américo que, para grande surpresa de Joubert, resolveu fazer-lhe uma visita em sua residência no Rio de Janeiro. Com o ministro também seguiram para o encontro o político pombalense Ruy Carneiro e alguns amigos. Joubert queria conseguir com José Américo um lugar de médico no prestigiado Instituto dos Marítimos e falou do seu desejo a Ruy, que lhe assegurou: É fácil, peça você mesmo {...} Por que você não faz uma canção falando dessa tristeza que há no Nordeste, dessa falta de água, lá não chove...Faça uma canção assim. Joubert imediatamente foi inspirado pela imagem da seca e disse para o ilustre pombalense que acabava de vislumbrar o drama de uma cabocla partindo numa leva, deixando para trás um caboclo a chorar. Chamava-se Maria (nome popularíssimo no Nordeste). Quis saber a cidade berço do ministro José Américo. Areia, disse-lhe o político paraibano. O compositor achou que Areia não dava boa rima. Quis saber a terra natal de Ruy: Pombal. Não satisfeito, Joubert quis saber dele onde a estiagem era mais rigorosa nas terras da Paraíba. Ruy citou-lhe vários lugares, dentre os quais o município de Ingá. Joubert exultou: Então é a Maria do Ingá. Naquela noite, na presença de Ruy Carneiro, de José Américo de Almeida, de Jaime Távora e de outros amigos a música foi composta. O título da canção Maringá (fusão ou corruptela romântica adotada pelo compositor por exigências métricas da composição) foi gravada em 1932, conforme já dito, pelo antigamente famoso tenor Gastão Formenti, tornando-se sucesso internacional e um clássico do nosso cancioneiro popular, levando a personagem e a cidade de Pombal ao conhecimento do público e, principalmente, fazendo com que o drama da seca comovesse a todos que desconheciam a realidade do Nordeste.
 
Usurpada indevidamente pelos paranaenses da cidade de Maringá (nomeada em homenagem à famosa canção), os quais não possuem nenhum direito histórico ou geográfico sobre o que retrata a música eternizada pela emocionante genialidade do dr. Joubert de Carvalho que, atendendo ao apelo e à inspiração de Ruy Carneiro, transformou Maringá num verdadeiro hino do povo pombalense. O que o poema tematiza diz respeito somente à cidade de Pombal e à realidade sertaneja, bastando-nos analisar alguns de seus belos versos: Foi numa leva que a cabocla Maringá/ Ficou sendo a retirante que mais dava o que fala/ E junto dela veio alguém que suplicou/ Pra que nunca se esquecesse de um caboclo que ficou. Este trecho demonstra que, em tese, não há a menor relação da mensagem poética com a cidade paranaense de Maringá, a qual nunca foi constituída por caboclos, como o sertão da Paraíba (notar a ênfase do registro da fala do homem popular – fala ao invés da forma infinitiva falar), e sim por uma população de origem européia que, em sua maioria, certamente desconhece as levas de retirantes tão típicas dos freqüentes períodos de seca do Nordeste brasileiro.

Contrariamente, o estado do Paraná tem o privilégio de não sofrer as estiagens que chegam a expulsar o homem nordestino do campo. Na realidade, a canção ficou lá conhecida apenas devido ao fato de ter sido com muita freqüência cantada nas horas de labuta e de lazer pelos operários da construção civil, nordestinos que, fugindo do flagelo da seca, migravam para aquele rico estado brasileiro em busca de trabalho. Explicando que esse produto formidável da genuína cultura popular é por extensão patrimônio do povo brasileiro e, de modo especial, dos paraibanos e da conhecida Terra de Maringá, é necessário lembrar a degradação dos valores seculares sertanejos desconhecida pelas gerações que nunca ouviram a sublime homenagem de Joubert de Carvalho à bela cidade do Sertão da Paraíba, berço de estimáveis valores culturais, que abriga vetustos testemunhos arquitetônicos do estilo barroco e se vangloria de poder justificar os versos do notável compositor contemporâneo quando afirma com ternura, dando voz ao humilde caboclo apaixonado: Antigamente uma alegria sem igual/ Dominava aquela gente da cidade de Pombal/ Mas veio a seca, toda a chuva foi simbora/ Só restando então as águas dos meus óios quando chora/ Maringá, depois que tu partiste/ Tudo aqui ficou tão triste que eu garrei a maringá.


* José Romero Araújo Cardoso e Gilberto de Sousa Lucena. Graduados, respectivamente, em Geografia e Letras, pela UFPB.

Tropeiros da Borborema: Tradução precisa da aventura almocreve pelas veredas da terra do sol

(*) José Romero Araújo Cardoso

          Raimundo Yasbek Asfora e Rosil Cavalcanti uniram-se para escrever a letra de uma das mais belas canções em língua portuguesa, a qual homenageia a segunda cidade do Estado da Paraíba.
          Nenhum dos autores de “Tropeiros da Borborema” era Campinense de nascimento. Asfora, nascido em 1930 e falecido tragicamente em 1987, era cearense de Fortaleza, descendente do grupo árabe que aportou na terra de Iracema fugindo da convocação forçada pelos ingleses na primeira guerra mundial, enquanto Rosil, cujas músicas antológicas Jackson do Pandeiro, que formou a dupla “Café com Leite” com o grande gênio da música regional nordestina, gravou e imortalizou-as, como “Cabo Tenório”, “Lei da Compensação”, “Quadro Negro” e o clássico “Sebastiana”, entre inúmeras outras, era pernambucano, nascido em Macaparana, no dia 20 de dezembro de 1915. Rosil faleceu em Campina Grande, na fria noite de 10 de julho de 1968.
          A importância dos tropeiros para a história social e econômica da antiga Vila Nova da rainha foi tão impressionante que não há como dissociar a dinâmica cidade com a presença dos antigos agentes econômicos que vinham do brejo, do agreste, do curimataú, do sertão, etc., bem como de Estados vizinhos, como o Rio Grande do Norte e o Ceará, carregados com seus fardos de pele e de algodão, em direção a Goiana e Olinda, no Estado de Pernambuco, importantes empórios comerciais no século XIX.
          Campina Grande começou a evoluir quando foi observado que boa parte da produção transportada pelos velhos tropeiros poderia ficar em solo paraibano. O investimento em máquina de beneficiar algodão foi de importância basilar para o desenvolvimento local, pois isto permitiu que a cidade se transformasse em grande exportadora do “ouro branco”, o que significou um dos momentos cruciais do “boom” econômico da “Rainha da Borborema”.
          A chegada da máquina número 3, da Great Western, no dia dois de outubro de 1907, representou também as condições para que o progresso fosse implementado a partir de então, pois era a garantia da facilidade para o escoamento da produção algodoeira.
          Para vencer os obstáculos representados pelo Planalto da Borborema, conduzindo tropas de burros, precisava ser muito corajoso. Conforme a professora Inês Caminha Lopes Rodrigues, em “Revolta de Princesa: Contribuição ao Estudo do Mandonismo Local”, a barreira orográfica era um grande empecilho para o escoamento da produção sertaneja, o que justifica em parte as decisões dos produtores da região polarizada por princesa de buscar na época as praças pernambucanas a fim de implementar os negócios.
           Os tropeiros da Borborema sintetizaram a coragem inaudita do povo interiorano em vencer barreira, razão pela qual a imortalidade suscitada na eterna composição de Asfora e Cavalcanti tem a característica de ser oportuna e pioneira na homenagem aos grandes seres humanos que hoje estão representados em monumento em Campina Grande.
          A belíssima canção reconhece em seus refrães finais que Campina Grande somente tem a sua grandeza devido à presença dos antigos tropeiros que buscavam pousadas quando demandavam a Pernambuco em tempos idos, mas que as brumas do tempo não conseguem apagar, graças, em muito, à genialidade de dois fenômenos extraordinários que foram beneficiados pela voz e pelo talento de outro gênio chamado Luiz Gonzaga do Nascimento, responsável pela impecável voz para a eternidade da música, pois quando o eterno “Rei do Baião” interpretou “Tropeiros da Borborema”, gravada em 1972, lançou imediatamente as bases da imortalidade desta magistral poesia nordestina surgida nas paragens da antiga Vila Nova da Rainha.  
          O acúmulo de capitais a partir das bases lançadas com os tropeiros da Borborema foi sendo responsável pela contínua evolução de Campina Grande, a ponto hoje de ser conhecida como “O Vale do Silício Brasileiro”, devido à presença de várias empresas que desenvolvem tecnologia de ponta, havendo ênfase ainda aos estudos e experiências que resultaram nas impressionantes fibras do algodão colorido, que são orgulhos da cidade de Campina Grande e motivos que a tornaram conhecida internacionalmente como pólo dinâmico e criativo de um nordeste que precisa e pode crescer em ritmo cada vez mais intenso.

(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-adjunto do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contatos: romero.cardoso@gmail.com. (MSN) romeroc6@hotmail.com.

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