A Estrela Oculta do
Sertão
(*) José
Romero Araújo Cardoso
Importante e valioso documentário,
por título “A Estrela Oculta do Sertão”, foi produzido na região nordeste, cujo
destaque encontra-se no enfoque às tradições judaicas presentes nas práticas
culturais do povo nordestino.
Protagonizado por médico paraibano de
nome Luciano Oliveira, que por acaso perguntou a uma parenta sobre seus
antepassados, obtendo como resposta, às indagações, provas suficientes, do
vínculo com a antiga sefarade, que mudaram sua vida, “A Estrela Oculta do
Sertão” afirma a veracidade de muitas histórias familiares espalhadas pelas
quebradas do sertão nordestino.
Luciano Oliveira e sua equipe palmilharam
diversos estados da região, intuindo comprovar a tese de que a genealogia de muitas
famílias nordestinas está indissociavelmente atrelada ao sangue judeu.
Buscando subsídios em Pernambuco, na
Paraíba e no Rio Grande do Norte, o protagonista desvenda antiqüíssimas
práticas culturais presentes no cotidiano do povo nordestino, como o costume de
não varrer a casa passando lixo pela porta da frente, pois em um passado
distante esta, na porta dos antepassados, continha um dos mais sagrados
símbolos do judaísmo – A Mezuzá – pequena tabuleta de madeira impecavelmente
trabalhada, contendo na parte de fora a letra SHADAI, primeira do Nome do
Eterno Todo Poderoso, em hebraico, sendo que dentro contém os salmos, também na
língua principal falada pelos judeus. Com a aculturação e a cristianização,
quando da ênfase à efetivação dos cristãos-novos, a Mezuzá foi substituída pela
cruz, indispensável em portas espalhadas por toda região.
Costumes presentes no dia-a-dia dos
nordestinos, como o hábito de colocar pedras em cruzeiros no meio das estradas,
também são esmiuçados no documentário, pois esta é uma das mais importantes
manifestações de condolência judaica.
Nathan Wachtel, eminente professor do
Collège de France, publicou importante livro, ainda em francês, sobre as tradições
nordestinas, provando que as mesmas são eminentemente judaicas. O livro do
professor Wachtell intitula-se La Foi Du
Souvenir – Labyrinthes Marranes (A fé da lembrança - Labirintos Marranos).
Municípios localizados nos ermos
distantes do sertão, como o pequeno Venha-Ver (corrutela de “Vir Chaver”, em
hebraico, ou seja, “Venha Amigo”, a inquisição não lhe pega por aqui), localizado
no alto oeste potiguar, foram visitados por Luciano Oliveira e equipe, cujo
destaque encontra-se justamente na comprovação de que os moradores do lugarejo
norte-riograndense descendem dos fugitivos da perseguição inquisitorial que se
instalou em Pernambuco, na Paraíba e no Rio Grande do Norte após a expulsão dos
holandeses.
No estado da Paraíba, há ênfase à
visita de Luciano Oliveira e equipe à cidade de Pedra Lavrada. O protagonista é
da família Cordeiro desse município, cujas ramificações se espraiam pelo estado
do Rio Grande do Norte, chegando ainda a influenciar na denominação toponímica
de localidade chamada São José dos Cordeiros.
Sobrenomes comuns às famílias
nordestinas são de origem judia, pois quando da grande conversão forçada, no
final do século XV, houve pacto entre os judeus para adotarem nomes de plantas,
árvores, animais, lugar de origem,etc., objetivando se reconhecerem no futuro.
Oliveira, Cardoso, Fernandes Pimenta,
Gurgel, Carneiro, Alencar, Mangueira, Nogueira, Carvalho, Pereira, etc., são
exemplos de sobrenomes com vínculos judaicos, presentes, na região nordeste e outras
regiões, bem como países, em listas telefônicas, nomes de ruas, chamadas de
salas de aulas e muitos outros.
O documentário “A Estrela Oculta do Sertão” peca em não falar sobre a
fase áurea desfrutada pelos judeus quando da dominação holandesa (1630-1654),
pois a resposta para a presença dos descendentes desse povo na região nordeste
encontra-se justamente na tolerância que os mandatários da Companhia das Índias
Ocidentais manifestaram quando da conquista do nordeste brasileiro, pois
necessitavam de capital para levar avante a experiência concentrada na exponencial relação com o açúcar nordestino,na
época impossibilitado de ser comercializado na Europa pelos holandeses devido
rixa com os espanhóis.
A expulsão holandesa do nordeste brasileiro
fez com que verdadeira “caça às bruxas” fosse instalada, com a requisição lusitana da presença da Santa
Inquisição. A importância da presença
judia no nordeste era tão proeminente que a primeira Sinagoga das Américas foi
construída no Recife.
Com a celeuma causada devido à saída
batava, o rabino da sinagoga pernambucana, de nome Isaac Aboab da Fonseca,
conseguiu comprar, através de quotas com os membros da comunidade, um navio no
qual rumaram para o norte, tendo chegado à costa nordeste dos atuais EUA, onde
ajudam a fundar um núcleo populacional que levaria o nome de Nova
Amsterdão,hoje cidade de Nova York. O rabino da sinagoga Novayorkina chama-se
Abraão Cardoso, descendente dos judeus pernambucanos que migraram, fugindo das
perseguições inquisitoriais.
Grandes personalidades que fazem parte
do seleto rol dos estudos judaicos no Brasil e no mundo foram entrevistadas
quando da produção de “A Estrela Oculta do Sertão”, a exemplo de Nathan
Wachtell, Anita Novinsky, Paulo Valadares, João Medeiros Filho e família,
Marcos Filgueira, Odmar Pinheiro Braga, etc.
A Estrela a qual se refere o título
do documentário, obviamente, é o hexagrama dos judeus, a Estrela de David, com
seis pontas, símbolo contido na bandeira do Estado de Israel, o mesmo que se
encontra disfarçada em uma rosa no frontispício do velho casarão construído no
amo de 1870, em Pombal (PB), na atual rua Coronel João Leite, propriedade, em
um passado não muito distante, dos criptojudeus pombalenses Aarão Ignácio
Cardoso D´Arão e sua sobrinha e esposa Facunda Cardoso de Alencar.
O documentário chama a atenção para uma questão
delicada que é a situação dos "anussins", os "marranos",
convertidos que buscam o regresso, ou seja, os descendentes desses fugitivos
que escaparam da região litorânea e buscaram abrigo nos mais longínquos
recônditos espalhados nas quebradas do sertão nordestino.
Para quem se interessa pelas questões
pertinentes ao nordeste brasileiro, “A Estrela Oculta do Sertão” surgiu como um
dos mais importantes documentários sobre a região nordeste, devido elucidar e
responder antigas indagações sobre as origens e as práticas culturais da
população que aqui habita.
A civilização do couro
(*) José Romero Araújo Cardoso
Enquanto no litoral nordestino subúmido firmou-se a agroindústria canavieira
voltada para o mercado externo, a hinterlândia formou-se a partir da expansão
da pecuária pelos sertões distantes tendo como pólos irradiadores Bahia e
Pernambuco.
A civilização do couro, conforme definição do historiador
Capistrano de Abreu, objetivava
abastecer com os produtos da pecuária o mercado interno, pois as áreas
valorizadas pelo capital mercantil não tiveram condições concretas de cumprir
qualquer ênfase à própria sobrevivência, seja de oprimidos ou de opressores.
As classes abastadas que povoaram os sertões nordestinos
tinham na quantidade de gado bovino sinônimo de status socioeconômico, enquanto
aos menos privilegiados restou o consolo de criar pequenos animais
domesticados, como cabras e bodes, motivo pelo qual se formaram as denominadas
raças nativas, como Moxotó, Morada Nova e Canindé, resistentes às secas e
adaptadas extraordinariamente ao meio ambiente inóspito, cujo suporte
forrageiro, em geral, encontra-se nas plantas das caatingas.
No sertão nordestino o couro passou a fazer parte do
dia-a-dia, pois quase tudo era feito dessa matéria-prima de origem animal. As
cadeiras, os alforjes, as mesas, os gibões, os chapéus, enfim, a cultura
sertaneja passou a utilizar o couro em quase tudo que era confeccionado, usado
cotidianamente pelos sertanejos em afazeres, alimentação, conforto, etc .
Quando das grandes secas era comum usar o couro como
recurso alimentício a fim de tentar sobreviver aos rigores das intempéries. A
estiagem histórica de 1877-1879 marcou significativamente o uso do couro para a
alimentação do sertanejo, o qual antes era
utilizado para deitar-se, sentar-se ou enfrentar os espinhos da
vegetação caatingueira.
O manuseio com o gado, do qual o couro é retirado, fez
surgir verdadeiros artesãos nas quebradas dos sertões distantes. Artistas
populares anônimos proliferaram, assim como as feiras de gado, executando
trabalhos hábeis que ainda hoje marcam de forma extraordinária a cultura
sertaneja.
Mãos calejadas passaram a fabricar selas, chapéus,
relhos, sandálias, etc., os quais se tornaram indispensáveis para enfrentar a
vida dura no sertão, simbolizando em muitos casos a própria tradição da região.
Vaqueiros e cangaceiros adotaram indumentária própria,
confeccionada com o couro. Incontestáveis obras de arte foram feitas a partir
do tecido animal, exemplificado através dos chapéus-de-couro dos mais
proeminentes chefes de cangaço que palmilharam o sertão nordestino.
O campeador de gado do sertão nordestino, por sua vez,
difere de seus congêneres espalhados pelo país, pois a roupa com a qual
enfrenta as dificuldades da labuta diária, condicionada pelos desafios impostos
pela vegetação extremamente agressiva, dotada de espinhos afiados e cortantes,
exige dureza e rusticidades, as quais são conseguidas com as vantagens que o
couro oferece.
A Canção e a Lenda
da Cabocla Maringá
José Romero Araújo
Cardoso
Gilberto de Sousa
Lucena
A obra musical deixada pelo compositor e médico mineiro Joubert Gontijo de Carvalho (1900-1977), repleta de valsas, marchas e sambas, revela imensa influência da cultura popular. Já no início da década de trinta, esse sensível artista emplacou seu primeiro grande sucesso: a famosa marchinha carnavalesca Taí (Pra Você Gostar de Mim), gravada por uma então pouco conhecida menina de vinte anos chamada Carmen Miranda. Foi o início exitoso da nossa brazilian bombshell.
Era uma fase da nossa música em que os
compositores urbanos investiam nos chamados gêneros regionais populares e outra
composição do talentoso mineiro fez muito sucesso ainda em 1931: Zíngara. Pelo
seu pioneirismo – em estilo também regionalista – abordando um tema bastante
explorado posteriormente no nosso cancioneiro popular, a seca do Nordeste,
Maringá (1932) acabou se tornando a mais expressiva das composições de Joubert
de Carvalho. Foi seu maior sucesso e acabou dando nome a uma hoje grande cidade
do estado do Paraná. Recebeu dezenas de gravações (inclusive no exterior),
tendo seu êxito em grande parte se devido à gravação primitiva do tenor
paulista Gastão Formenti (1894 – 1974) e às excelentes interpretações do cantor
de voz canora Carlos Galhardo (1913 – 1985), que a gravou por duas vezes em
1939 e 1957.
O folclore sertanejo é riquíssimo e
precisam ser resgatadas com grande interesse as lendas esquecidas com a névoa
do tempo e pelos efeitos da aculturação, a exemplo da história (ou estória?)
transmitida de boca em boca de Maria, uma cabocla sensual que migrou da região
do Ingá (no Agreste paraibano), para a cidade de Pombal (Sertão da Paraíba) em
uma grande seca ocorrida no século XIX. Reza a tradição que na famigerada
estiagem de 1877, Maria deixou Pombal e procurou novas paragens, deixando
naquele longínquo rincão sertanejo um caboclo apaixonado e com lágrimas nos
olhos.
Considerando a riqueza da cultura
popular no sertão, da qual era admirador e grande conhecedor, o dr. Ruy
Carneiro (1901 – 1977) – no tempo em que exercia a chefia de gabinete do
Ministério da Viação – encontrou no Rio de Janeiro Joubert de Carvalho. O
político sertanejo falou-lhe sobre a lenda de Maringá (designação popular de
Maria do Ingá, naquele momento ainda não conhecida por Joubert) e pediu-lhe
para musicar a emocionante trajetória da linda cabocla que abalou a ribeira do Piranhas.
A canção Maringá tem uma curiosa história. Era muito amigo de Joubert de
Carvalho o senhor Jaime Távora, então secretário do paraibano José Américo de
Almeida (1887 – 1980), na época ministro da Viação do presidente Getúlio Vargas
e grande apreciador da música do compositor mineiro (a quem ansiava conhecer
pessoalmente). Távora comentou com Joubert sobre a vontade do Ministro, no que
– em tom de pilhéria – ouviu: “Ora, se ele tem tanta vontade de me conhecer que
vá lá em casa”.
Tal informação foi passada por Távora a
José Américo que, para grande surpresa de Joubert, resolveu fazer-lhe uma
visita em sua residência no Rio de Janeiro. Com o ministro também seguiram para
o encontro o político pombalense Ruy Carneiro e alguns amigos. Joubert queria conseguir
com José Américo um lugar de médico no prestigiado Instituto dos Marítimos e
falou do seu desejo a Ruy, que lhe assegurou: É fácil, peça você mesmo {...}
Por que você não faz uma canção falando dessa tristeza que há no Nordeste,
dessa falta de água, lá não chove...Faça uma canção assim. Joubert
imediatamente foi inspirado pela imagem da seca e disse para o ilustre
pombalense que acabava de vislumbrar o drama de uma cabocla partindo numa leva,
deixando para trás um caboclo a chorar. Chamava-se Maria (nome popularíssimo no
Nordeste). Quis saber a cidade berço do ministro José Américo. Areia, disse-lhe
o político paraibano. O compositor achou que Areia não dava boa rima. Quis
saber a terra natal de Ruy: Pombal. Não satisfeito, Joubert quis saber dele onde
a estiagem era mais rigorosa nas terras da Paraíba. Ruy citou-lhe vários
lugares, dentre os quais o município de Ingá. Joubert exultou: Então é a Maria
do Ingá. Naquela noite, na presença de Ruy Carneiro, de José Américo de
Almeida, de Jaime Távora e de outros amigos a música foi composta. O título da
canção Maringá (fusão ou corruptela romântica adotada pelo compositor por
exigências métricas da composição) foi gravada em 1932, conforme já dito, pelo
antigamente famoso tenor Gastão Formenti, tornando-se sucesso internacional e
um clássico do nosso cancioneiro popular, levando a personagem e a cidade de
Pombal ao conhecimento do público e, principalmente, fazendo com que o drama da
seca comovesse a todos que desconheciam a realidade do Nordeste.
Usurpada indevidamente pelos
paranaenses da cidade de Maringá (nomeada em homenagem à famosa canção), os
quais não possuem nenhum direito histórico ou geográfico sobre o que retrata a
música eternizada pela emocionante genialidade do dr. Joubert de Carvalho que,
atendendo ao apelo e à inspiração de Ruy Carneiro, transformou Maringá num
verdadeiro hino do povo pombalense. O que o poema tematiza diz respeito somente
à cidade de Pombal e à realidade sertaneja, bastando-nos analisar alguns de
seus belos versos: Foi numa leva que a cabocla Maringá/ Ficou sendo a retirante
que mais dava o que fala/ E junto dela veio alguém que suplicou/ Pra que nunca
se esquecesse de um caboclo que ficou. Este trecho demonstra que, em tese, não
há a menor relação da mensagem poética com a cidade paranaense de Maringá, a
qual nunca foi constituída por caboclos, como o sertão da Paraíba (notar a
ênfase do registro da fala do homem popular – fala ao invés da forma infinitiva
falar), e sim por uma população de origem européia que, em sua maioria,
certamente desconhece as levas de retirantes tão típicas dos freqüentes
períodos de seca do Nordeste brasileiro.
Contrariamente, o estado do Paraná tem o privilégio de não sofrer as estiagens que chegam a expulsar o homem nordestino do campo. Na realidade, a canção ficou lá conhecida apenas devido ao fato de ter sido com muita freqüência cantada nas horas de labuta e de lazer pelos operários da construção civil, nordestinos que, fugindo do flagelo da seca, migravam para aquele rico estado brasileiro em busca de trabalho. Explicando que esse produto formidável da genuína cultura popular é por extensão patrimônio do povo brasileiro e, de modo especial, dos paraibanos e da conhecida Terra de Maringá, é necessário lembrar a degradação dos valores seculares sertanejos desconhecida pelas gerações que nunca ouviram a sublime homenagem de Joubert de Carvalho à bela cidade do Sertão da Paraíba, berço de estimáveis valores culturais, que abriga vetustos testemunhos arquitetônicos do estilo barroco e se vangloria de poder justificar os versos do notável compositor contemporâneo quando afirma com ternura, dando voz ao humilde caboclo apaixonado: Antigamente uma alegria sem igual/ Dominava aquela gente da cidade de Pombal/ Mas veio a seca, toda a chuva foi simbora/ Só restando então as águas dos meus óios quando chora/ Maringá, depois que tu partiste/ Tudo aqui ficou tão triste que eu garrei a maringá.
Contrariamente, o estado do Paraná tem o privilégio de não sofrer as estiagens que chegam a expulsar o homem nordestino do campo. Na realidade, a canção ficou lá conhecida apenas devido ao fato de ter sido com muita freqüência cantada nas horas de labuta e de lazer pelos operários da construção civil, nordestinos que, fugindo do flagelo da seca, migravam para aquele rico estado brasileiro em busca de trabalho. Explicando que esse produto formidável da genuína cultura popular é por extensão patrimônio do povo brasileiro e, de modo especial, dos paraibanos e da conhecida Terra de Maringá, é necessário lembrar a degradação dos valores seculares sertanejos desconhecida pelas gerações que nunca ouviram a sublime homenagem de Joubert de Carvalho à bela cidade do Sertão da Paraíba, berço de estimáveis valores culturais, que abriga vetustos testemunhos arquitetônicos do estilo barroco e se vangloria de poder justificar os versos do notável compositor contemporâneo quando afirma com ternura, dando voz ao humilde caboclo apaixonado: Antigamente uma alegria sem igual/ Dominava aquela gente da cidade de Pombal/ Mas veio a seca, toda a chuva foi simbora/ Só restando então as águas dos meus óios quando chora/ Maringá, depois que tu partiste/ Tudo aqui ficou tão triste que eu garrei a maringá.
* José Romero Araújo Cardoso e Gilberto de Sousa Lucena. Graduados, respectivamente, em Geografia e Letras, pela UFPB.
Tropeiros da
Borborema: Tradução precisa da aventura almocreve pelas veredas da terra do sol
(*) José
Romero Araújo Cardoso
Raimundo Yasbek Asfora e Rosil
Cavalcanti uniram-se para escrever a letra de uma das mais belas canções em língua
portuguesa, a qual homenageia a segunda cidade do Estado da Paraíba.
Nenhum dos autores de “Tropeiros da Borborema” era Campinense
de nascimento. Asfora, nascido em 1930 e falecido tragicamente em 1987, era cearense
de Fortaleza, descendente do grupo árabe que aportou na terra de Iracema
fugindo da convocação forçada pelos ingleses na primeira guerra mundial,
enquanto Rosil, cujas músicas antológicas Jackson do Pandeiro, que formou a
dupla “Café com Leite” com o grande
gênio da música regional nordestina, gravou e imortalizou-as, como “Cabo Tenório”, “Lei da Compensação”, “Quadro
Negro” e o clássico “Sebastiana”,
entre inúmeras outras, era pernambucano, nascido em Macaparana, no dia 20 de
dezembro de 1915. Rosil faleceu em Campina Grande, na fria noite de 10 de julho
de 1968.
A importância dos tropeiros para a
história social e econômica da antiga Vila Nova da rainha foi tão
impressionante que não há como dissociar a dinâmica cidade com a presença dos
antigos agentes econômicos que vinham do brejo, do agreste, do curimataú, do
sertão, etc., bem como de Estados vizinhos, como o Rio Grande do Norte e o
Ceará, carregados com seus fardos de pele e de algodão, em direção a Goiana e
Olinda, no Estado de Pernambuco, importantes empórios comerciais no século XIX.
Campina Grande começou a evoluir
quando foi observado que boa parte da produção transportada pelos velhos
tropeiros poderia ficar em solo paraibano. O investimento em máquina de
beneficiar algodão foi de importância basilar para o desenvolvimento local,
pois isto permitiu que a cidade se transformasse em grande exportadora do “ouro
branco”, o que significou um dos momentos cruciais do “boom” econômico da
“Rainha da Borborema”.
A chegada da máquina número 3, da
Great Western, no dia dois de outubro de 1907, representou também as condições
para que o progresso fosse implementado a partir de então, pois era a garantia
da facilidade para o escoamento da produção algodoeira.
Para vencer os obstáculos
representados pelo Planalto da Borborema, conduzindo tropas de burros,
precisava ser muito corajoso. Conforme a professora Inês Caminha Lopes
Rodrigues, em “Revolta de Princesa:
Contribuição ao Estudo do Mandonismo Local”, a barreira orográfica era um
grande empecilho para o escoamento da produção sertaneja, o que justifica em
parte as decisões dos produtores da região polarizada por princesa de buscar na
época as praças pernambucanas a fim de implementar os negócios.
Os tropeiros da Borborema
sintetizaram a coragem inaudita do povo interiorano em vencer barreira, razão
pela qual a imortalidade suscitada na eterna composição de Asfora e Cavalcanti tem
a característica de ser oportuna e pioneira na homenagem aos grandes seres
humanos que hoje estão representados em monumento em Campina Grande.
A belíssima canção reconhece em seus
refrães finais que Campina Grande somente tem a sua grandeza devido à presença
dos antigos tropeiros que buscavam pousadas quando demandavam a Pernambuco em
tempos idos, mas que as brumas do tempo não conseguem apagar, graças, em muito,
à genialidade de dois fenômenos extraordinários que foram beneficiados pela voz
e pelo talento de outro gênio chamado Luiz Gonzaga do Nascimento, responsável
pela impecável voz para a eternidade da música, pois quando o eterno “Rei do Baião” interpretou “Tropeiros da Borborema”, gravada em
1972, lançou imediatamente as bases da imortalidade desta magistral poesia
nordestina surgida nas paragens da antiga Vila Nova da Rainha.
O acúmulo de capitais a partir das
bases lançadas com os tropeiros da Borborema foi sendo responsável pela
contínua evolução de Campina Grande, a ponto hoje de ser conhecida como “O Vale
do Silício Brasileiro”, devido à presença de várias empresas que desenvolvem
tecnologia de ponta, havendo ênfase ainda aos estudos e experiências que
resultaram nas impressionantes fibras do algodão colorido, que são orgulhos da
cidade de Campina Grande e motivos que a tornaram conhecida internacionalmente
como pólo dinâmico e criativo de um nordeste que precisa e pode crescer em
ritmo cada vez mais intenso.
(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-adjunto do Departamento de Geografia
da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contatos: romero.cardoso@gmail.com. (MSN) romeroc6@hotmail.com.
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